David Gonçalves de Almeida
Portugal tem hoje 308 municípios, 278 no Continente, 11 na Madeira e 19 nos Açores. Até 1836 havia no nosso país um número bastante superior. Nada mais nada menos que 817! Naquele ano, e duma assentada só, Passos Manuel reduziu este número extinguindo 466 deles. No entanto, também reorganizou e criou outros, de modo que no final desta revolução administrativa passámos a contar com apenas 351.
Não conhecemos, com rigor, como e porquê foi esta política implementada, mas tudo indica que nesta racionalização pesaram motivos económicos e, obviamente, políticos. Vivia-se uma situação em que muitas vezes os poderes concelhios chegavam a duplicar os impostos cobrados pelo poder central. Sucediam-se empréstimos sobre empréstimos, não raramente para resgatar encargos de empréstimos anteriores. A Câmara de Deputados põe o dedo na ferida: não restavam dúvidas que era imperioso extinguir concelhos, principalmente aqueles que já não tinham condições financeiras e, por isso, agravavam mesmo “a vida dos povos”.
Assim, a Reforma Administrativa de 1836 suprimiu muitos concelhos que pelas suas pequenas dimensões não se tornavam viáveis, mantendo apenas aqueles que reuniam condições naturais e humanas e ofereciam condições de viabilidade. Uma política “realista, tendo em vista o desenvolvimento do país rural” na opinião de Carlos Proença, um sampedralvense que escreveu Notícias Históricas de Mondalva.
Curiosamente, este princípio levou a que nem tudo fosse extinção e alguns novos municípios foram criados. Num momento em que o número de concelhos leva uma forte machadada, Farinha Podre (hoje S. Pedro de Alva) teve o privilégio de ascender a concelho. No distrito de Coimbra igual sorte teve S. Miguel de Poiares que, apesar de passado pouco tempo ter sido extinto, conseguiu recuperar mantendo-se até hoje como tal. Não teve o mesmo destino o concelho de Farinha Podre. Logo no ano seguinte a ser criado perdeu a freguesia de Carapinha para o concelho de Tábua e com os ventos centralizadores da Regeneração acabou por ser extinto, passados dezassete anos de existência, por decreto de 31 de Dezembro de 1853. Recorde-se que no distrito tiveram, nesta altura, igual destino os concelhos de Coja, Midões, Ançã e Tentúgal.
Se no Código Administrativo de Passos Manuel os concelhos, como vimos, foram reduzidos para 351, aquando do Código de Costa Cabral, de 1842, cresceram para 381; mas com Rodrigues Sampaio, em 1878, reduziram-se para 290. Em 1880, Luciano de Castro não mexeu nos municípios e com João Franco, em 1895, apenas se acrescentou um concelho.
Existe um “retrato” do concelho de Farinha Podre na obra Memória histórico-corográfica dos diversos concelhos do distrito de Coimbra, de António Luís de Sousa Henriques Seco, publicado precisamente em 1853, mas que ainda contempla este concelho. Aliás, refere o autor que na recolha de elementos teve o auxílio do Administrador Concelhio, David Ubaldo Leitão (personalidade que deu o nome à rua que dá acesso ao Paço Velho e era pai do Conselheiro Alípio Leitão, bem como de Alberto Leitão).
A juntar-se à “tragédia” da extinção, seguiu-se um período de grande instabilidade em que as desavenças e contendas partidárias levaram a que Farinha Podre e outras freguesias da região de Mondalva tenham sido reivindicadas pelos concelhos vizinhos de Tábua e Penacova. O que por aqui aconteceu igualmente se verificou em muitas outras terras do país onde os interesses das populações andavam ao sabor dos interesses dos partidos e das respectivas clientelas políticas e as lutas eleitorais e a corrupção política eram prática corrente.
Escreve Carlos Proença sobre a extinção do concelho de S. Pedro de Alva: “Às gerações vindouras caberá aceitar esta situação, se a considerarem plenamente consentânea com os interesses dos povos de Mondalva, ou pugnar por que seja retomada a experiência de 1836”.
Nesta linha desse inconformismo, também a voz de Alfredo Fonseca se tem erguido.
O descontentamento das populações e dos poderes locais após a extinção é testemunhado por um conjunto de petições dirigidas ao Rei e à Câmara dos Deputados, mas de nada valeu. Na obra de Alfredo Fonseca, (Farinha Podre) S. Pedro de Alva – Figuras e Factos para a sua História, é notório o sentimento de que nem tudo foi feito nesse “fatídico” ano de 1853, e nos que se lhe seguiram, no sentido de anular a decisão de extinguir um concelho que, apesar de contar com uma experiência de apenas dezassete anos, se afirmava na região com potencialidades muito superiores, por exemplo, ao concelho de Tábua. É esta sensação de revolta que leva A. Fonseca a escrever: “Maldito seja quem tais medidas tomou e que a terra lhe seja tão pesada em cima, como o peso do monumento a Cristo Rei, no alto de Almada, ou o Mosteiro dos Jerónimos em Belém”.
Para saber mais sobre as Reformas Administrativas do Concelho de Penacova leia aqui