Lisa Gambini
O Outono começou e eis que mais uma coleção outono-inverno é inaugurada e somos inundados de estímulos para renovar o guarda-roupa. É, de facto, uma tentação, mas será que alguma vez imaginámos que as nossas roupas podem mudar a natureza de uma forma tão impactante?
Vivemos num mundo inquieto e imediatista e a chamada “fast fashion” oferece constantemente ao consumidor novos estilos e aposta, cada vez mais, em peças (basicamente) descartáveis. Estas peças, vendidas a preços ditos acessíveis, são feitas, na maior parte dos casos, em materiais pouco duráveis e com grande impacto ambiental. Ora, o problema desta moda é que facilmente é descartada e substituída por outra. O seu preço e a volatilidade das “tendências”, não justificam, na maioria das vezes, o arranjo de uma peça já existente, aumentando exponencialmente a quantidade de peças de roupa que são produzidas e que após poucas utilizações são descartadas.
Estas roupas usadas ficam, assim, sem destino adequado – porque a doação local e os contentores de recolha de roupa, embora sejam uma forma fácil de aliviar a consciência, já não resolvem, de todo, a situação, e as lojas de pronto a vestir que dizem reciclar, nem sempre o fazem, já que é mais lucrativo exportar este “lixo” do que o reciclar – e acabam
por ser exportadas para países pobres, em África ou na América do Sul, sob o pretexto de poderem ser aí reutilizadas. Contudo, não é bem assim.
Se por um lado o número de peças descartadas pelos consumidores atinge números recorde, por outro a baixa durabilidade da roupa, faz com que nem todas sejam efetivamente reutilizadas ou revendidas. Face a todo este excedente dos países ocidentais, o que acontece é que grande parte das peças, acabam em gigantes aterros de países
periféricos. Como tal, existem zonas do globo, que se tornaram autênticos depósitos a céu aberto das roupas exportadas pelos países ocidentais.
Muito embora, todo um negócio de revenda de roupa usada se tenha desenvolvido à volta do descarte de roupas provenientes da Europa e dos Estados Unidos, o que se verifica é que, nos países que a importam, apenas uma parte é revendida. Se por um lado se estima que cerca de 40 a 60% da roupa importada que chega aos principais destinos de revenda, tenha o aterro como destino quase imediato, por outro, o que é efetivamente revendido também irá ser, na maioria, usado por pouco tempo.
Um dos países que mais se destaca enquanto destinatário dos excedentes do ocidente é o Gana, onde se estima que cheguem por semana ao mercado de Kantamanto na capital, que se especializou em venda de roupa usada, mais de 15 milhões de peças que, na sua maioria, terminarão como resíduos ambientais. Outro exemplo preocupante é o do
deserto do Atacama, no Chile (maior importador de roupa em segunda mão na América do Sul), onde gigantescas montanhas de lixo têxtil vão crescendo, alterando de forma irreversível a paisagem, impactando de forma preocupante na estabilidade e qualidade dos solos – já que parte é enterrada – e poluindo o ar quando são queimadas, na tentativa
de diminuir a dimensão do amontoado.
Todos os anos aumenta vertiginosamente o número de peças produzidas e consumidas. E todos os anos o número de peças que chega a aterros e depósitos a céu aberto, vai aumentando. O consumidor é apontado como o principal culpado. Mas será assim?
O que é facto é que muitas empresas continuam a produzir peças de baixa durabilidade, com materiais poluentes e o consumidor, regra geral, procura peças acessíveis e não está devidamente sensibilizado. Claro que alterar este ciclo requer atitudes individuais, mas sobretudo coletivas e as empresas devem ter uma atitude mais responsável no ciclo
de vida do produto.
A indústria têxtil é considerada uma das mais poluentes do mundo, sendo responsável por cerca de 10% das emissões globais de gases-estufa e por considerável desperdício de água no mundo, além de libertar cerca de 500 mil toneladas de microfibras sintéticas nos oceanos. É verdade que se tem investido no desenvolvimento de tecnologias para reduzir
o impacto ambiental causado pela produção têxtil, contudo as questões de alto consumo, descarte e poluição permanecem um problema, que a bem do ambiente e da nossa saúde, devem ser alvo de atenção.
É importante, no consumo, a mudança de paradigma, onde olhemos para a roupa como um bem de compra consciente e não como algo descartável, não só por uma questão financeira, mas sobretudo por uma questão de sustentabilidade e bom-senso. Não queremos deixar este fardo, cada vez menos escondido, para as próximas gerações!
Lisa Gambini