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David Gonçalves de Almeida

António José de Almeida foi “o mais significativo presidente da Primeira República, por ter sido o único que terminou o mandato, pelas características da sua acção, pelo que pretendeu ser em termos de convergência nacional e pela imagem que dele foi apresentada.”- escreveu Luís Reis Torgal [1], o historiador que mais estudou a vida e a obra deste ilustre penacovense.

Cumpriu o mandato, não porque a vida lhe tenha sido facilitada. A sua presidência foi, antes, marcada por um ambiente de grave agitação política. A tudo isso se somaram centenas de greves, algumas de tal dimensão que ameaçaram a estabilidade do regime. Imagine-se só – e pense-se no que isso pode significar – que durante o seu mandato, que à época era de quatro anos, deu posse a dezassete governos e, como se isso não bastasse, teve de lidar com o trágico acontecimento que ficou conhecido como “Noite Sangrenta”, em que um golpe revolucionário assassinou não só o chefe do Governo, António Granjo, mas igualmente Carlos da Maia e Machado Santos (heróis da Revolução do 5 de Outubro), além de Freitas da Silva e Botelho de Vasconcelos.

Durante o seu mandato (1919-1923), salientam-se como marcos importantes, além de outros aspectos, a alteração à Constituição de 1911 que conferiu ao presidente da República a possibilidade de dissolver o Congresso, o reatamento das relações diplomáticas de Portugal com a Santa Sé, em 1923 e a “gloriosa” viagem ao Brasil em 1922.

Esta viagem ao Brasil foi o momento alto do seu mandato presidencial, que nem os imprevistos logísticos ofuscaram. Pela primeira vez desde que a corte portuguesa se mudara para o Brasil, um Chefe do Estado português visitava aquele país. Era o “abraço fraterno ao país-irmão” numa data plena de simbolismo: a comemoração do primeiro centenário da independência. É essa «viagem gloriosa» que é lembrada numa exposição que pode ser visitada em Lisboa [2] , assim como o percurso biográfico do seu protagonista.

António José de Almeida foi, na sua época, considerado um dos mais ilustres oradores nos comícios do Partido Republicano, como deputado, enquanto ministro, no papel de “primeiro-ministro” e no desempenho da sua magistratura presidencial.

O seu último discurso, em homenagem à Imprensa, foi proferido no dia 1 de Outubro de 1923, faz hoje 100 anos, pouco antes de deixar a presidência, que terminaria quatro dias depois.

Como refere Reis Torgal [3] “nota-se agora outra sensibilidade, não de triunfalismo e de propaganda, mas de angústia perante o presente vivido e as perpectivas incertas em relação ao futuro”. O que vem ao de cima nesse discurso é a consciência de que se estava a passar por uma “transformação prodigiosa”- salienta o referido historiador, e que Portugal não podia “fugir a esse impulso vertiginoso e fatal”.

Sabia que o mundo passava por uma “transfiguração do seu modo de ser político e social” e perguntava: “Qual será a intensidade e a extensão dessa coisa formidável? Ninguém o pode saber. Só se pode saber que há ainda, entre nós, pedaços do velho mundo que hão-de cair, e grandes pedaços dele que é preciso, a todo o transe, salvar e fortalecer, para que sirvam de base e de amparo ao ideal nacionalista, que visivelmente e a valer está iluminando as nossas consciências e incitando os nossos corações.”

Ao despedir-se dos jornalistas presentes, nacionais e estrangeiros, nomeadamente brasileiros e de países europeus, manifesta pois uma clara consciência da crise, crise mundial e crise nacional. Não poderia deixar de se interrogar sobre o futuro. Não lhe seria estranho, de modo algum, a percepção das revoluções socialistas e das tendências sociais-democratas que se verificavam, assim como não lhe escapariam fenómenos como a tomada de poder, na Itália, pelo Partido Nacional Fascista de Mussolini, a revolução comunista na Rússia – como bem observa o Professor Doutor Luís Reis Torgal, autor de António José de Almeida e a República: discurso de uma vida ou vida de um discurso, publicado em 2004 e que os penacovenses tão bem conhecem.


[1]António José de Almeida – 100 Anos de Uma Presidência, Ana Paula Pires, Elsa Santos Alípio e Luís Reis Torgal, 2021
[2]Título da exposição: António José de Almeida e a «viagem gloriosa» ao Brasil. Local: Viveiros do Jardim da Cascata do
Palácio de Belém; Datas: 31 de agosto de 2023 a 31 de março de 2024. Horário: terça-feira a domingo; 10h-13h (última
entrada às 12h30) | 14h-17h30 (última entrada às 17h). Encerra na manhã do 3.o domingo de cada mês (17 de setembro; 15
de outubro; 19 de novembro; 17 de dezembro; 21 de janeiro; 18 de fevereiro; 17 de março), para a realização do Render
Solene da Guarda
[3]Cf. António José de Almeida – 100 Anos de Uma Presidência, op. cit.

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